14.4.06

Direito romano II – o Julgamento de Jesus



 No século I, a Judeia era uma pequena província submetida à autoridade do imperador e não do Senado - na verdade, sob Tibério, ela não era uma província de direito, mas de facto: constituía um território dependente da Síria, de maneira teórica, é bem verdade. Naquela época, ela estava confiada a um "perfeito" e não a um "procurador", como dizem, de maneira anacrónica, os Evangelhos (ou, pelo menos, sua tradução em latim). O facto de Jesus ser denunciado diante do Sinédrio não apresentava nenhum interesse para o Direito romano. Essa assembleia de notáveis judeus não tinha poderes amplos e não recebia o "direito de espada", isto é, o direito de vida e morte. Mas essa passagem tinha um impacto político e psicológico. Mostrava ao governador o sentimento das elites sociais locais. Embora ele zombasse desse sentimento quando se tratava dos interesses de Roma, tinha interesse de levar em conta o que não dizia respeito directamente à autoridade do império.

 O processo de Jesus ilustra perfeitamente o procedimento "extraordinário" porque Pôncio Pilatos agiu na condição de representante do imperador. Ele teve apenas uma fase, portanto, diante do governador que era, ao mesmo tempo, a personagem que "diz o direito" e que pronunciava a sentença. Ali se encontraram as três personagens esperadas; o acusador, o acusado e o representante da autoridade. Os "grão-sacerdotes e os anciãos do povo" conduziram a acusação, relembrando o que foi dito no Sinédrio: Jesus declarara ser o rei dos judeus. Agora era a vez de Pôncio Pilatos intervir. Ele perguntou a Jesus: "Tu és o rei dos judeus?" (Mateus, 27 11). Se Jesus respondesse "sim", ele se colocaria numa posição indefensável: reconheceria a intenção de insultar a autoridade de Roma e de seu imperador. Ele também podia dizer "não" e o governador certamente o liberaria. Mas Jesus não reagiu, não disse nada, o que provocou o espanto de Pilatos. O acusado permaneceu mudo. E, claro, ele era pobre demais para pagar um advogado. Aí o juiz sentenciou. Diante dos clamores do povo e levando em conta a atitude dos notáveis de Jerusalém, ele julgou mais político condená-lo à pena de morte por crucificação. Nesse caso, o condenado não valia grande coisa aos olhos do governador: seu meio social e sua origem étnica não depunham a seu favor. Além disso, sua atitude, seu silêncio o prejudicaram.

 O processo termina aí porque Jesus, tendo status de peregrino, não pode apelar. Ao contrário, alguns anos mais tarde, Paulo, que é cidadão romano, pede por duas vezes o benefício da apelação a César e, por duas vezes, vai a Roma. Seja como for, essa audiência com o comparecimento de Jesus diante de Pilatos também está conforme com o Direito romano.

 Por fim, o acusado, sobretudo quando é condenado, não se beneficia de nenhuma protecção. Os guardiães, o povo que assiste à aplicação do castigo e os soldados que o aplicam podem lhe infligir sofrimentos suplementares sem que ninguém se comova. Os golpes e humilhações são parte da pena. O suplício de Jesus é, a um só tempo, exemplar e banal. Primeiro são os militares que o fazem padecer. "... E tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça e na mão direita uma vara... e cuspindo-lhe, tomavam a vara e batiam-lhe com ela na cabeça". A turba dá sua contribuição em seguida. "Os transeuntes, abanando a cabeça, o insultavam... os grão-sacerdotes zombavam... Do mesmo modo o ultrajavam também os ladrões, crucificados com ele" (Mateus, 27).

 Voltando à questão inicial: Jesus teve um processo justo? Para os cristãos, ele foi vítima do acto mais odioso possível, um deicídio. Para os homens de hoje, ele foi julgado e executado em condições terríveis e cruéis. Mas o historiador não deve julgar em função da época em que ele vive, mas em função da época que estuda. Nessas condições, é forçoso constatar que, do ponto de vista estrito do Direito romano, não há nenhuma ressalva a fazer na maneira como Pôncio Pilatos conduziu o processo.

Autora:Yann Le Bohec professora de história romana da Universidade de Paris IV - Sorbonne.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sim, é verdade que o historiador julga em função da época que estuda e tem de ser abster, desviar de emoções e tentar descrever os acontecimentos da época mediante a realidade vivida naqueles tempos...mas foi há tanto tempo...pode-se estudar muito, muito, sobre esses acontecimentos mas certezas não há, só suposições...Um tema bem escrito e aplicavel a esta época...Como todos os que tens escrito mas este e o anterior achei-os excelentes. A musica de fundo traz-me mais uma recordação, a minha ida ao cinema, o filme Jesus Cristo Superstar e as controvérsias acesas da época :) Agora não posso sair sem te dar os parabéns pelo anito passado em Roma, parabéns mais uma vez :) Enviado por gaivotadaria em abril 15, 2006 11:39 PM

Um enciclopédia pura, estou volta e so tive uma avaria no pc ja estou de volta e com material para tua avaliação no meu recanto. Enviado por tron em maio 1, 2006 04:42 PM

Cello ou Violoncelo disse...

Amigo. Estou fazendo um artigo científico nesse sentido. Estou sem material referente aos poderes que o Pilatos tinha, a quem devida subordinação, para usar como referencia bibliográfica.

Gostaria muito de receber essa informações por e-mail, se possível: limeira.daniel@gmail.com

Se me permite, ouso em discordar que o Julgamento de Cristo foi legal. Aparentemente todos os procedimentos estão devidamente cumpridos, entretanto, não há crime! Não há provas. Em fim, o julgamento foi político e não legal.

Meu trabalho é nesse sentido. Ficarei grado em receber ajuda nesse sentido.


Saudações
Daniel

PALAVRADO SENHOR REDENTOR disse...

Amigo. Estou fazendo um artigo científico nesse sentido. Gostaria, caso seja possível, que você me orientasse:
1. A lei Romana aplicada a Jesus
2. A lei judaica aplicada a Jesus
3.Poderes que Pilatos tinha, a quem devida subordinação, para usar como referencia bibliográfica.

Gostaria muito de receber essa informações por e-mail, se possível: romaantonio@bol.com.br
Sergio

Unknown disse...

Olá minha querida!
Gostei de mais desse comentário acerca do tema o julgamento de Jesus.Estou dando esse estudo na minha Igreja e dividi-o em fases,seis para ser mais exato, e o fim é exatamente esse que, o que levou Cristo a morte foi a decisão de conotação política de ambas as partes, tanto de Judeus como de Romanos.
As três fases judaicas,tem a ver diretamente com o sistema religioso dos Judeus. Porém, era um sistema religioso também com sua conotação política interna judaica. No que diz respeito ao direito romano, é fato que O Messias só interessava aos Judeus.Nesta,são as três fases finais e a condenação pelo fato de ter em mãos o poder de julgar a morte qualquer cidadão romano de natureza ou conquistado por Roma.